28.12.10

FAMÍLIA É UM PRATO DIFÍCIL DE PREPARAR

Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema, principalmente no Natal e no Ano Novo.
Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio.
Mas a vida, (azeitona verde no palito) sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria? Solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante. Aquele o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente.
(…)
Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza.
Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa. Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto, é um verdadeiro desastre. Família é prato extremamente sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido.
Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher. Saber meter a colher é verdadeira arte. Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada. O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. (…)Família é afinidade, é “à Moda da Casa”. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito. Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas.
Há também as que não têm gosto de nada, seriam assim um tipo de Família Dieta, que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.
Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia. (…) Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro. Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete.

Texto do livro “O Arroz de Palma”, de Francisco Azevedo

5 comentários:

Cá S S Pires disse...

Faz tempo que peço a Deus que eu não erre a mão nessa receita! Sabe como é, iniciantes tem que contar bastante com a sorte! A panela nós já estamos preparando por aqui! Hehehe...
Adorei o post e AMEI seu recado!Carinhosa sempre! Fiquei matutando o que reponder e daí vem esse seu post fofíssimo... Admiro sua sensibilidade, minha querida. Imagino a ternura da sua família. Uma delícia de pensar.
bjão

Espaço do João disse...

Errar é próprio do ser humano.
No entanto digo sempre que cada um tem a família que quer.
Havendo compeenção, respeito, valor humano, é colherada certa para uma boa família.
Desejo-te um ANO NOVO cheio de tudo de bom e, com a colher à medida do teu prato. Um grande abraço terno e amigo. João.

Anabela Jardim disse...

Vim agradecer a sua visita. Família é tudo de bom, mesmo não sendo perfeita.

Fernando Santos (Chana) disse...

Olá Rose, belo post...Espectacular....

s e m a b r i g o

Olhamos para eles e sentimo-nos incomodados.
Incomodados e impotentes.
Podemos aliviar a consciência com uma moeda.
Ou com comida.
Ficamos aliviados mas não curados.
Há qualquer coisa que continua a roer por dentro.

A culpa não é nossa.
Individualmente.
Se calhar nem deles.
Individualmente.

É bom que nos sintamos incomodados.
Será ainda melhor que façamos alguma coisa.
Alguma coisa significativa.
Alguma coisa que os alivie.
E tambem alguma coisa que evite o aparecimento de outros como eles
(eventualmente nós próprios).



Texto retirado do site Sem abrigo com o link http.//semabrigo.no.sapo.pt

Continuação de BOAS FESTAS....
Beijos

Maria Cristina Stolf disse...

Ainda bem que temos amigos que nos ajudam a cozinhar!!! Bjs, Cris

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